http://oglobo.globo.com/carnaval2011/blocos/mat/2011/03/12/xixi-nas-ruas-do-rio-ja-provocava-polemica-entre-cariocas-em-1776-923999474.asp
RIO - A polêmica que voltou a desfilar no carnaval deste ano, com pelo menos 675 pessoas sendo detidas por urinarem nas ruas , no rastro dos inúmeros blocos espalhados pelo Rio, vem de longe. É histórico o mau hábito do carioca de urinar nas ruas, assim como é crônica a falta de banheiros públicos na cidade. Em 1776, na primeira tentativa de acabar com o hábito dos moradores do Rio (cerca de 43 mil habitantes) de atirar nas ruas a urina acumulada na noite anterior, o nobre Antônio de Almeida Soares Portugal, o então terceiro vice-rei português, o marquês de Lavradio (1769-1779), decretou: "Todo sujeito que for arremessar águas servidas pela janela deverá bradar antes 'água vai'". Podia sujar, mas tinha que avisar.
(Assista a entrevista com o historiador Milton Teixeira)
http://oglobo.globo.com/rio/video/2011/22664/
A preciosidade histórica foi registrada pelo escritor Luís Edmundo de Melo Pereira da Costa no início do século passado - ele nasceu em junho de 1878 e morreu em dezembro de 1962. Considerado o último boêmio carioca de seu tempo, Luís Edmundo escreveu inúmeros livros, chegou a ser acusado de xenofobia, mas nunca deixou de ser um cronista dos hábitos da corte portuguesa e foi muito popular. No seu livro "O Rio de Janeiro no tempo dos vice-reis (1763-1808)", ele descreve em 500 páginas uma cidade suja, onde não havia banheiros públicos, faltava higiene na população e até os nobres interrompiam cortejos para urinar nas ruas.
Marquês de Lavradio foi alvo de um urinol cheio
O professor e historiador Milton Teixeira lembra que o vice-rei marquês de Lavradio legislou em causa própria. Um dos arremessos o acertou, no mesmo ano de 1776. Furioso, o marquês imediatamente mandou lavrar uma lei instituindo uma prática já existente em Portugal - a lei do "Lá vai água". Mas houve resistências à aplicação.
- As pessoas jogavam e avisavam ao mesmo tempo, ou jogavam primeiro e bradavam depois. Segundo Luís Edmundo, alguns bradavam corretamente e arremessavam até coisas mais sólidas - conta Teixeira.
"O mau hábito tem raiz no passado, assim como a população, em especial o carioca, tem o péssimo hábito de sujar para que outro limpe"
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.No mesmo livro, Luís Edmundo já revelava a contradição entre a beleza do Rio e a sujeita de suas ruas. Faltava higiene. Escreveu ele: "Como hoje, já era de enlevo e de deslumbramento a impressão que assaltava o estrangeiro ao transpor a barra estreita da Guanabara". O escritor cita ainda o relato do primeiro-vice rei, o conde da Cunha (dom Antônio Álves da Cunha), que, ao chegar para morar no Rio, reclamou do mau cheiro. "Não suporta as emanações pútridas e o mefitismo que o sitiam, vindos de toda parte. Não tem nariz nem estômago para tanto. E só pergunta, muito espantado, como seu antecessor pôde governar vivendo, como vivia, dentro de tal chiqueiro e tal cidade".
- É famosa uma gravura de Debret mostrando um nobre urinando na rua. O mau hábito tem raiz no passado, assim como a população, em especial o carioca, tem o péssimo hábito de sujar para que outro limpe - lembra Teixeira.
Princesa Isabel criou os primeiros mictórios públicos
Com a cidade suja, com muita falta de higiene e todo mundo sem pudores, urinando nas ruas, a princesa Isabel, regente do Império por três ocasiões, na qualidade de herdeira de seu pai (que viajara à Portugal), resolve, em 1887, pôr em prática um projeto de instalar "mijadouros públicos" na cidade.
- A princesa Isabel, entretanto, não achou o nome apropriado e, inspirada no latim, mudou o nome, criando a palavra mictório (expelir líquidos), palavra até hoje usada para definir banheiro. Mas o projeto não saiu do papel.
Os primeiros banheiros públicos só foram construídos no Rio pelo prefeito Pereira Passos, no início dos anos 1900. E mesmo assim só quatro: em frente ao Paço; na Praça Tiradentes; no Jardim do Valongo (no Morro da Conceição, na Saúde), até hoje funcionando e passando por reformas; e no Campo de São Cristóvão.
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